Vamos falar sobre aborto?

Aborto é, de longe, o assunto mais complexo que já vi no debate político e curiosamente, todo mundo considera algo simples e óbvio (justamente por isso, talvez, seja tão complexo). Existem dois argumentos que eu considero importantes na discussão, já que até hoje são os únicos que não vi serem criticados:

1 – O feto não pode ser considerado um ser humano, pois ele não é autônomo, ou seja, não consegue sobreviver fora do útero, de forma que ele não é, efetivamente, um ser humano vivo, mas um “parasita”. (pró escolha)

2 – O direito à vida é tipico do ser humano e o feto, sendo mais do que um possível ser humano, mas efetivamente um ser humano em gestação. A limitação desse direito à vida, quando a grávida é sim responsável pelos seus atos, se configura um homicídio. (pró vida)

A importância desses dois argumentos é que eles tratam de uma questão anterior ao aborto: Onde começa e onde termina a vida e portanto, até onde são válidos os direitos humanos? Todas as outras questões circunstanciais, de natureza religiosa ou utilitaristas são passíveis de críticas, mas essas duas posições são, ao menos em si mesmas, inquestionáveis como argumento. Então como resolver isso?

O mais longe que conseguimos alcançar, até o momento, foi “qual deveria ser a resposta padrão para o caso onde não sabemos o que fazer?” Só que também é discutível: Diante de um risco à morte, é dever do estado defender a possível vida, ou diante do desconhecimento, é dever do estado se omitir para evitar limitações na liberdade? Qual direito humano é mais valioso, o direito à vida ou à liberdade? Ora, demos uma volta e vamos cair na necessidade de conceituarmos a vida humana e seus limites. Afinal, in dubio pro vitae ou in dubio pro libertate?

Cada postura tem seus riscos para a sociedade e nenhuma pertence a um ideal específico. Essa é a verdadeira pergunta de um milhão de dólares, frente a qual, todos embates religiosos contra os ideólogos são um debate entre dois espantalhos. Uma farsa onde não se discute o verdadeiro assunto. E como poucos de ambos os lados tem desejo de sair do campo dos bordões, faço aqui a questão de levantar duas raras opiniões sobre a questão de fato e deixar que cada um tire sua conclusão e defenda seu ponto de vista.

“Não havendo certeza absoluta da inumanidade do feto, extirpá-lo pressupõe uma decisão moral (ou imoral) tomada no escuro. Podemos preservar a vida dessa criatura e descobrir mais tarde que empenhamos em vão nossos altos sentimentos éticos em defesa do que não passava, no fim das contas, de mera coisa. Mas podemos também decidir extirpar a coisa, correndo o risco de descobrir, tarde demais, que era um ser humano. Entre a precaução e a aposta temerária, cabe escolher? Qual de nós, armado de um revólver, se acreditaria moralmente autorizado a dispará-lo, se soubesse que tem 50% de chances de acertar numa criatura inocente? Dito de outro modo: apostar na inumanidade do feto é jogar na cara-ou-coroa a sobrevivência ou morte de um possível ser humano.” – Olavo de Carvalho, Desejo de matar.

“A fundamentação apropriada para analisar o aborto está no absoluto direito de autopropriedade de cada homem.  Isto imediatamente implica que toda mulher tem o absoluto direito ao seu próprio corpo, que ela tem o domínio absoluto sobre seu corpo e sobre tudo que estiver dentro dele.  Isto inclui o feto.  A maioria dos fetos está no útero da mãe porque a mãe consentiu a esta situação, porém o feto está lá pelo livre e espontâneo consentimento da mãe.  Mas, se a mãe decidir que ela não deseja mais o feto ali, então o feto se torna um invasor parasitário de sua pessoa, e a mãe tem o pleno direito de expulsar o invasor de seu domínio. O aborto não deveria ser considerado o “assassinato” de uma pessoa, mas sim a expulsão de um invasor não desejado do corpo da mãe. Quaisquer leis restringindo ou proibindo o aborto são portanto invasões dos direitos das mães.” – Murray N. Rothbard, A ética da liberdade.

PS: Minha opinião? Sinceramente, na dúvida, melhor errar pela omissão do que pela imposição de vontade, então é muito mais prático deixar todas as leis do mundo como estão, até que alguém me dê uma resposta convicente.

2 comentários

  1. “1 – O feto não pode ser considerado um ser humano, pois ele não é autônomo, ou seja, não consegue sobreviver fora do útero, de forma que ele não é, efetivamente, um ser humano vivo, mas um “parasita”. (pró escolha)”

    Esse argumento possui premissas duvidosas, pois ele implica que um ser humano só pode ser considerado humano se for autônomo. Pessoas que dependem de máquinas para sobreviver ou pessoas em coma deixariam de ser humanas, partindo desse princípio. Idosos em idade avançada e crianças muito pequenas também não seriam, por definição, humanos, já que não são capazes de sobreviver sem auxílio. Esses casos que eu citei deveriam mesmo ser excluídos de seus direitos só por não serem autônomos? Essa premissa passa longe de ser verdadeira.

    Minha opinião tende mais ao que o Olavo disse que ao que Rothbard disse. Um feto possui 50% de chances de se tornar um ser humano e 50% de chances de não se tornar nada. Logo, possuímos 50% de chances de terminar o processo de desenvolvimento de um ser humano em potencial através do aborto.

    Considero que a vida inicia quando o ser já possa ser classificado como um ser humano em desenvolvimento. Por exemplo, não podemos classificar um esperma como um ser humano em desenvolvimento, mas podemos classificar um feto como um.

    Enfim, estou tão cego quanto você no assunto, hehe.

    1. No caso de “ser vivo autônomo” se refere à condição biológica de não estar ligado à uma pessoa específica. O feto não pode ser cuidado por qualquer pessoa, ele deve ser cuidado por uma pessoa em específico. Um exemplo seria uma pessoa que precisa da doação de um pedaço do seu fígado, por exemplo: Não pode ser qualquer um ou uma máquina, tem que ser você. Você terá que fazer uma escolha de cunho moral: Causar algum prejuízo temporário ao seu corpo ou deixar que a pessoa morra. Em minha visão, a decisão correta seria salvar o outro, mas não é uma decisão automática. A lei do aborto, assim, seria o equivalente à lei obrigar que você doasse um pedaço do fígado, para salvar uma vida. Lei bem intencionada, sem dúvida, mas é uma lei justa?

      Só que o exemplo não é perfeito (apesar de muito bom), pois uma grávida (uma futura mãe) tem uma “obrigação moral” maior do que você salvar um desconhecido. Vai alegar o pró-vida que “ela não é uma pessoa qualquer, mas uma mãe”, ai alega o pró-escolha que “se é indesejado, ela não tem a psicologia de mãe” e assim vamos numa bola infinita de argumentos que sempre vai acabar em absolutamente nada…

      Entendeu porque eu disse que é um assunto complicado?

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